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domingo, 17 de junho de 2012

Febre de Bola de Nick Hornby



O Turbilhão Nervoso

Em Febre de bola encontramos divertidas partículas da experiência universal do futebol. O jogo que domina as mentes de milhões de seguidores e fãs pelo mundo. O esporte que, em larga medida, ignora as fronteiras naturais e, sobretudo, as fronteiras erigidas pelo homem. Em todos os continentes as crianças correm atrás da bola e lançam suas bobinadas certeiras enquanto gritam os nomes de seus heróis. A magia, o espetáculo, a paixão do futebol. Tantos são os adjetivos e as fórmulas utilizadas na tentativa de explicar o sentimento “sem nome” do futebol. Porém – máxima ironia – o senhor Nick Hornby, a seu modo, resolveu explicar isso tudo escrevendo um livro sobre ele mesmo.

Exatamente, conforme um grande amigo afirmou, Febre de Bola não é um livro sobre o futebol. Fever Pitch é o título original desse livro em que o autor relata momentos de sua vida entre 1968 e 1992, tendo como pano de fundo o futebol. Na verdade, posso dizer que vai um pouco além disso: o futebol para Hornby é muito mais do que um simples cenário, o futebol é a sua obsessão.

O autor tinha 13 anos de idade quando o mundo da bola se desvelou diante de seus olhos. A separação dos pais, justo naquela época, e as complicações próprias da aurora da adolescência são os ingredientes que transformaram a alma do autor em um campo fértil para o florescimento de uma paixão avassaladora, uma fuga, uma obsessão: o futebol.


A edição brasileira
É curioso notar que quando o pai de Nick o convidou para que fossem assistir a um jogo juntos, ele, com qualquer adolescente que se preze, de pronto recusou. O jovem se considerava totalmente disposto a ir a qualquer lugar com o pai, nas vezes em que ele aparecia para visitá-lo, “com exceção de todos os lugares que ele [o pai] conseguia pensar.” Independente disso, ele se tornou um torcedor do Arsenal, tradicional clube inglês.

No início, só o futebol mantém a relação entre pai e filho, reduzindo as tensões, direcionando e compatibilizando interesses. Sem o futebol, seus encontros seriam apenas os jantares monótonos, sempre no mesmo restaurante, sem assunto para conversar. Depois do futebol, naturalmente, não mais faltou assunto. Todos os amantes do esporte bretão sabem o quão prolífero pode ser o mundo do futebol, até mesmo quando a falta de assunto é o principal assunto. Talvez essa última frase necessite de um bom exemplo para ficar mais clara: pensem nos intervalos entre as temporadas e nas pré-temporadas que os times realizam. O que há de interessante para se comentar quando não há jogos do seu time e por toda parte tudo que se ouve são as velhas especulações sobre transferências de jogadores. Nessas épocas estéreis há algum assunto realmente interessante? Sim, para os obsessivos sempre há. Diferente do meu tempo de garoto, quando era necessário esperar a banca de jornais abrisse de manhã para ler as novidades nas páginas cor-de-rosa do Jornal dos Sports, hoje a informação e a desinformação circulam em tempo real nos 140 caracteres das twittadas relâmpago dos jornalistas e de seus ávidos seguidores virtuais.

Nick Hornby em "casa", no Highbury
 Devidamente contextualizado com sua realidade, é fácil identificar-se com o garoto Nick quando, por exemplo, ficamos sabendo do nervosismo que sentia antes dos jogos, vezes em que “acordava com um turbilhão nervoso no estômago”. Ou em sua estréia no estádio e o sobressalto ao ver tantas pessoas felizes bradando palavrões e impropérios de toda sorte. Assim como o jovem Nick, esse aspecto me impressionou em primeira visita ao estádio. Assim como ele já tinha ouvido todos aqueles palavrões antes, mas não entoados pelos adultos e não naquele volume.

Não poucos saberão precisamente do que Hornby está falando quando conta a primeira grande decepção que sofreu no futebol: final de um campeonato importante e o Arsenal, franco favorito, perde o título para um clube de menor expressão em pleno Wembley, um dos palcos clássicos do futebol em todo o mundo. A dor da derrota foi atroz, mas o pior era o sentimento de traição em relação às pessoas que antes haviam dito a ele que o Arsenal venceria aquela disputa ou aquelas outras que não demonstravam entender a sua relação com o seu time.

Isso não é tudo. À medida que a narrativa avança, Hornby revela fatos e acontecimentos de sua adolescência, do início da vida adulta, da universidade, dos relacionamentos com as mulheres, com os amigos e do quanto o seu vínculo extremo com o futebol influenciou a vida de todas as pessoas que conviveram com ele. Suas referência cronológicas não remetem ao calendário cristão. Antes, o que demarca sua trajetória são as temporadas do Arsenal, anos em dobradinhas: 80/81, 86/87, 91/92, na forma do tradicional calendário esportivo europeu. Ele não descreve o quarto, a sala ou a cozinha das casas em que viveu, mas, por outro lado, o leitor lê as descrições de cada pedaço das arquibancadas de Highbury, o estádio do Arsenal. Conforme avança em anos e experiência, surge a necessidade de migrar para se acomodar em diversas partes diferentes daquele pedaço de concreto tão querido.

Edição na língua original
 Falando em arquibancadas, logo se pensa nos hooligans. Inegavemlemente o hooliganismo é um ponto sensível do futebol europeu. Obviamente a violência das torcidas não é um problema exclusivo do Velho Mundo, mas a grande parte da inspiração dos arruaceiros de hoje partiu das confusões registradas por lá, sobretudo na Inglaterra. O autor tocou nesse assunto, mas eu diria que ele foi condescendente em relação os atos criminosos e selvagens praticados pelos hooligans. Ele até chega a repudiar essa violência, mas de forma complacente, indulgente. Diria mais, as tentativas de encontrar explicações para alguns massacres famosos em estádios europeus envolvendo ingleses soaram como simples corporativismo. Afinal, é seguro dizer que, no período de que trata o livro, qualquer frequentador assíduo dos jogos do Arsenal, como o autor, para dizer o mínimo, esteve muito envolvido nas atividades dos hooligans.

Por outro lado, o autor aparenta o amor próprio pouco desenvolvido. Ele se define como um sofredor nato. Diz claramente que os jogos do Arsenal sempre foram uma chatice sem fim. Torcer para o Arsenal, na visão de Nick, é algo como uma tarefa de Sísifo: uma eternidade de jogos muito ruins, repletos de empates sem gols, derrotas amargas e poucas vitórias apertadas. Em realidade, porém, entendi essa visão pessimista sobre o próprio time, mais como um recurso literário do que como a realidade dos fatos. Afinal, como disse no início, o foco da obra não é o futebol e sim a obsessão. E, a meu sentir, nenhuma obsessão existe que não traga consigo algum sofrimento arraigado e persistente, daí a necessidade em exagerar o “sofrimento” causado pelas alternâncias, pela transitoriedade, e, acima de tudo, pelas injustiças do mundo da bola, no qual sonhos acalentados por anos a fio terminam abruptamente, no trágico e imprevisível voo de uma Jabulani qualquer.

Enfim, já no primeiro parágrafo, eu dizia que Hornby havia conseguido expressar o que é o futebol falando dele mesmo. E o fez, descortinando seu universo permeado pelo futebol e, com isso, estabeleceu pronto canal com outros obsessivos pela bola. A compreensão é imediata e muitas vezes não é preciso sequer terminar a leitura de uma frase ou capítulo para saber exatamente do que o autor está falando. “Papo reto”, por assim dizer. De obsessivo para obsessivo. Surge, então, sem esforço, o entendimento (pelo menos quero crer que foi assim).

O livro de Nick é, muitas vezes um relato de obcecado para obcecado
 Antes de ler o livro, ouvi de alguns leitores que me precederam que os signos lançados nas páginas de “Fever Pitch” estariam fora do alcance da compreensão das mulheres. Não, não. As mulheres possuem lá suas próprias obsessões. Nem sempre se trata do futebol, mas o mundo é mesmo assim: ninguém é perfeito. Elas, claro está, poderiam decifrá-lo (falo do livro) plenamente. Colheriam a essência da maneira mais absoluta, bastando focar em outros paradigmas e imaginando exemplos identificáveis para elas como o futebol é para a grande maioria dos homens. O problema é que Nick Hornby é um grande bastardo inglês e um tremendo egoísta.

Tudo bem que ele escreveu essa jóia divertidíssima, o Febre de Bola, mas isso não redime o seu egocentrismo. O livro, por seu turno, é tão bom que, se não soubesse que a melhor maneira de dizer obrigado a um autor é ler o seu livro, poderia até dizer uma ou duas palavras para esse inglês egoísta de uma figa. Claro que poderia e não desconsidero nada disso. Todavia, estimo que ele não daria a mínima para nada disso. Até porque quando escrevi essas linhas, era janeiro de 2011 e a temporada 10/11 estava em pleno andamento na Inglaterra: o Arsenal estava apenas 4 pontos atrás do Manchester United, que era então o líder, de maneira que Nick Hornby tinha mais com o que se preocupar.