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quinta-feira, 31 de maio de 2012

As origens da queda do absolutismo


Não raras fontes históricas defendem que a monarquia francesa encontrou seu fim ao pé do cadafalso e, segundo essas mesmas fontes, a expressão máxima de sua derrocada teria ocorrido em 21 de janeiro de 1793, quando o povo francês decapitou seu Rei, o monarca Luis XVI. Munro Price [1] lembra que antes desse evento dramático, a monarquia era uma estrutura grandiosa, malgrado todas as suas rachaduras, e o rei que, por fim, ficou uma cabeça menor governava por Direito Divino, sendo responsável por suas ações apenas diante de Deus.

Antes de prosseguir, é bom que se diga que cortar a cabeça de um rei não era novidade na Europa, pois em 1649, a Câmara dos Comuns criou uma corte (Tribunal de Exceção? Sim, claro) para promover o julgamento de Carlos I. Assim, no dia 29 de janeiro daquele mesmo Ano do Senhor de 1649, Carlos I foi condenado à morte por decapitação e – celeridade a toda prova –, decapitado já no dia seguinte, do lado de fora da Banqueting House.

Ao matar um rei, portanto, não significa acabar com a monarquia. Mesmo porque, na França, ao contrário do que ocorrera antes da Inglaterra, houve a Revolução. Segundo M. J. Roberts [2], a Revolução Francesa compreende conjunto de eventos ocorridos entre 5 de maio de 1789, com a convocação dos Estados Gerais e a famosa Queda da Bastilha e 9 de novembro de 1799, com o 18 de Brumário de Napoleão Bonaparte.


Luis XIV, O Rei Sol
Lançadas tais premissas, é tempo de registrar que outras fontes defendem que a monarquia absolutista já balançava muito antes de Robespierre e de todos os Terroristas de 93. Em verdade, as bases do regime absolutista já estavam solapadas antes mesmo que as ideias de iluministas como Diderot (1713-1784), Voltaire (1694 -1778) e Montesquieu estivessem no papel.

Um dos autores que defendem essas correntes é Wiliam Weir, que não é historiador, mas escreveu diversos livros e artigos sobre História Militar. Para ele, o primeiro aríete que atacou os portões do absolutismo foi vibrado por ninguém menos que Luis XIV, o temível Rei Sol, a figura história que personifica o regime monárquico absolutista.

Para Wiliam Weir [3], Luis XIV jamais disse a célebre frase “L’état c’est moi” [4]. A historiadora Susan Kennedy [5] também defende que Luis XIV porvavelmente nunca tenha proferido a famosa frase, porém, ambos concordam que ele poderia perfeitamente tê-la dito, pois, acreditava que ele próprio era a França, que Carlos II era a Grã-Bretanha e Guilherme de Orange era as províncias Unidas da Holanda.

Quando o El Rei, Dom Carlos II de Espanha, morreu e não deixou filhos, as melhores pretensões ao trono eram a do Duque de Anjou, neto de Luis XIV e a de Carlos, o Arquiduque de Áustria [6], filho do imperador da Áustria, Leopoldo I.
Luis XIV e seus herdeiros dois anos antes da Batalha de Malplaquet

Quando eclodiu a guerra, Luis XIV teve que enfrentar ninguém menos que John Churchill, o Duque de Malborough, quiçá o maior dos generais que já envergaram a casaca vermelha dos exércitos britânicos. Em 1708 Malborough expulsou as forças francesas de Flandres e invadiu a França ao lado de uma aliado de grande estatura, o príncipe Eugênio de Sabóia [7]. Dentre as 40 condições de paz que apresentaram a Luis XIV, uma em especial consternou o velho monarca absolutista: “ele teria que remover seu neto do trono espanhol” [8].

Luis XIV não vê alternativa senão recorrer ao povo. O libelo dirigido ao povo francês pelo maior de todos os monarcas absolutista no auge das monarquias absolutistas teve a força foi a um só tempo iconoclasta e decisivo. Eis as palavras do Rei Sol:

Posso dizer que violei meu caráter (...) procurando a imediata paz para meus súditos, ainda que à custa de minha satisfação pessoal e talvez mesmo de minha honra (...) já não vejo outra alternativa senão preparar-nos para nos defender. No intuito de assegurar que uma França unida é maior que todas as potências congregadas pela força e pelas maquinações para derrotá-la (...), vim pedir (...) sua ajuda neste recontro, que envolve sua própria segurança. Pelos esforços que faremos juntos, nossos inimigos hão de ver que não somos de tolerar abusos. [9].

A Batalha que se seguiu foi tida, então, como a mais sangrenta desde a invenção da pólvora. Foram 10 mil baixas no lado francês, mas os aliados possivelmente perderam quase 30 mil. A vitória aliada cobrou um preço altíssimo. O próprio Malborough usou o adjetivo “atrocíssima” para classificar o grande moedor de carne que foi a Batalha de Malplaquet.

Os milhares de mortos nos campos de batalha exigiram que os governantes buscassem a paz e, entrementes, a questão da sucessão ao trono espanhol tomava outros rumos quando os valentes ibéricos se uniram sob o neto de Le Roi Soleil. Assim, o que mudou os rumos da História não foi o desfecho do confronto. Antes, o que alterou para sempre as torpes e pequenas paixões humanas foi algo que ocorreu antes da própria batalha: o apelo do Rei Sol ao seu povo.

Pela primeira vez na História um monarca que ocupava um trono em decorrência de seu direito divino teve que recorrer ao povo. O mais impressionante é que, dentre todos os monarcas que existiram, a honra de tal missão tenha recaído justamente sobre Luis XVI, quiçá o mais orgulhoso de todos os reis.
Um representante do povo, os Sans-Culottes

O significado foi claro: quem salvou a França da destruição foi a gente simples, a gente comum e não seu poderoso rei. Isso mostrou que o poder supremo vem do povo e não do rei. Os iluministas que estavam por surgir não se esqueceriam dessa lição em não tardou até que a Liberdade, desnuda, fértil, grandiosa, empunhando a bandeira tricolor, conduzisse o povo á luta.
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[1] PRICE, Munro. A queda da monarquia francesa: Luis XVI, Maria Antonieta e o barão de Breteuil. Tradução de Julio Castañon Guimarães. Rio de Janeiro: Record, 2007. p. 37. Título original: The fall of the french monarchy.

[1] ROBERTS, J. M. O Livro de ouro da História do Mundo: Da Pré-Historia à Idade Contemporânea. Tradução de Laura Alves e Aurélio Rebello. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004. p. 518-519. Título original: The shorter history of the world.

[3] WEIR, William. 50 Batalhas que mudaram o mundo: os conflitos que mais influenciaram o curso da história. Tradução de Roger Maioli. São Paulo: M. Books, 2006, p. 179. Título original: 50 Battles that changed the World.

[4] “O Estado sou eu”, frase atribuída a Luis XIV, personificação do absolutismo que ao contrário de seus antecessores, recusou a figura de um chanceler, além de reduzir drasticamente a influência dos parlamentos regionais, jamais tendo convocado os Estados Gerais.

[5] KENNEDY, Susan. in; 1001 dias que abalaram o mundo. Edição de Peter Furtado; prefácio de Michael Wood; tradução de Fabiano Morais, Fernanda Abreu e Pedro Jorgensen Júnior. Rio de Janeiro: Sextante, 2009, p. 379. Título Original: 1001 days that shaped the world.

[6] Carlos de Habsburgo, do alemão Karl von Habsburg, Imperador Romano-Germânico de 1711 a 1740, como Carlos VI. Além disso, rei da Hungria, como Carlos III.

[7] Eugênio de Sabóia é reputado como um dos mais brilhantes generais de seu tempo, ao lado de nomes como Oliver Cromwell, Malborough, Príncipe Ruppert, Sir Thomas Fairfax, Guilherme de Orange e de Carlos XII da Suécia. Conta-se que Luis XIV negou autorização a Eugênio para que este ingressasse na vida castrense. Inconformado, Eugênio abandonou Paris e se colocou a serviço dos Hadsburgo, prometendo que só regressaria à França a frente de um exército.

[8] WEIR, William. 50 Batalhas que mudaram o mundo: os conflitos que mais influenciaram o curso da história. Tradução de Roger Maioli. São Paulo: M. Books, 2006, p. 183. Título original: 50 Battles that changed the World.

[9] WEIR, William. 50 Batalhas que mudaram o mundo: os conflitos que mais influenciaram o curso da história. Tradução de Roger Maioli. São Paulo: M. Books, 2006, p. 182. Título original: 50 Battles that changed the World.